quinta-feira, 27 de março de 2008

“Migalhas”, por António Lobo Antunes


Dos textos mais hipnotizantes que já tive o prazer de ler. Ousa tocar a perfeição, não deveria ser permitido, trata-nos por tu e faz-nos passar por um bando de iletrados e ignorantes, que desconhecem a tão enigmática e alternativa perspectiva do mundo.

“O que me atrai nos brincos não é as mulheres terem-nos, é o momento em que os prendem na orelha, de queixo esticado e olhos vazios. A mesma expressão, aliás, ao procurarem as chaves na carteira. Parece que se ausentam. Depois voltam a estar ali ao rodarem a fechadura.”

De perder a respiração, gelei ao ler. Uma coisa comum, do dia-a-dia, posta de uma forma tão profunda, que nos torna vazios, vista por uns olhos que observam para lá do óbvio, uma imaginação que tanto tem de fértil como de realista, mais uma vez, a perfeição a actuar.

Os pequenos fragmentos de texto, memórias distantes, ligadas por um mísero ponto, que se unem e dispersam, como migalhas. Um texto cansado, farto do mesmo, palavras que correm, fogem para o passado mais rápido do que regressam ao presente.
Um texto independente, que pede uma mão.

Aconselho, está de se comer à colherada.

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